Vivemos em um momento bem singular na história do desenvolvimento da civilização mundial, que reflete na atual situação de maturidade sociopolítica brasileira. Quando agentes de macroambiente pressionam e nos fazem viver em tempos de exceção, provocando experiências e opiniões distintas, o conflito é inevitável. Porém, este embate ideológico e por muitas vezes visceral e enfático, é expressão de uma consciência enraizada nas questões humanas mais profundas: em nossas afinidades, tolerância e preconceito. Tratando dos preconceitos já conhecidos (raça, gênero, opção sexual, condição socioeconômica, partido etc..) os embates ganharam uma profundidade ímpar, onde o nível de discussão não se restringe mais aos comportamentos causadores das ações repressoras, mas também nas soluções educativas.
Neste embate entre repressão e educação, parte dos que enxergam esta batalha como oportunidade de manifestar seus posicionamentos solucionistas, se vêem perdidos e não muito representados. Parece que as soluções discutidas atualmente, atingem somente um perfil extremista da população, seja ele o "lado" que for, deixando os que não participam da radicalidade, longe de serem representados por ações de ambos os lados. O debate, seja ele encarado de forma enérgica e com luta brava ou burocrática e consensual, reserva mais parte para o julgamento, do que para o processo construtivo. Assim, ambos os lados ficam energicamente lutando por soluções que representam apenas parte dos envolvidos. O que causa um ciclo de manifestações intolerantes e preconceituosas baseadas em soluções superficiais e não representativas. A intolerância e preconceito se estende ao julgamento da postura de defesa a estas soluções e posicionamentos, o que qualificam os atores inseridos no conflito como símbolos atuantes das ideologias que defendem. É comum vermos hoje, classificações como "Fascistas" ou "Terroristas" para estes comportamentos extremos.
Qual seria a grande causa? A grande causa para a quase instantaneidade de julgamento, sem qualificar os aspectos solucionistas no atendimento a todos os tipos de personas e arquétipos, é a falta de uma avaliação de dados etnográficos, qualitativos, ou analíticos em relação a todos os tipos atores inseridos neste recorte. O Brasil, é um país rico para insumos etnográficos pela diversidade inerente. Para esta avaliação e definição destas personas, seriam necessários a convivência e entendimento destes comportamentos enfáticos e a criação de alguns eixos que poderiam expressar os posicionamentos. Depois de mais de 1 ano com muito "diálogo complementar" presencial e em redes sociais com pessoas de perfis diversos, cheguei a algumas interpretações sobre dois eixos que fundamentam tanto as discussões enfáticas quanto suas práticas solucionistas. Os eixos são: Tolerância com a diferença x Afinidade com a opinião. Todos nós temos uma matriz mental desenhada por estes eixos. Todos temos um nível diferente de Tolerância e de Afinidade. Tolerância seria o nível de liberdade que você concede ao "diferente", ao que está contra as suas crenças, gostos, estética, comportamento, ética e moral. Afinidade é o nível de semelhança que você tem com uma opinião apresentada em relação a estes mesmos tópicos.
Na prática de relação destes eixos, podemos observar que é possível enquadrar alguns arquétipos iniciais avaliando o nível de tolerância com a diferença, e afinidades com a opinião apresentada. Estes arquétipos nos mostram o quanto uma sociedade está fragmentada, e o quanto ela deve reconhecer as diferenças, mas não ressaltá-las ou harmonizá-las. Ambas intenções dirigem para uma prática de duas alternativas: Uma para o embate ou dissenso e outra para o consenso, desenhando assim cenários limitados para práticas de transformação.
A tolerância com a diferença, é uma maneira de conduzir a interação com outros e a afinidade com a opinião é o ponto de variação que faz com que sejamos aptos a nos livrar dos pressupostos. Veja no gráfico Abaixo:
Assim, chegamos aos seguintes arquétipos nos quais todos todos nós podemos oscilar. Devo lembrar que alguns de nós variamos entre estes arquétipos, e alguns não. Estes arquétipos são:
1 - Extremistas: Os extremistas são figuras simbólicas que tem baixa afinidade com o outro ou sua opinião e baixa tolerância com esta diferença. Conseguem interagir apenas com pessoas com o mesmo tipo de pensamento. As opiniões sobre soluções para questões de preconceitos (raça, gênero, opção sexual, condição socioeconômica, partido etc..) devem estar rigorosamente de acordo com suas opiniões. Costumam ser enfáticos e "ditadores" no diálogo, chegam a observações como: Você tá maluco! Você sabe o que você está falando? Podem utilizar também de deboches e serem violentos e desrespeitadores, chegando a a agressões físicas e morais.
2 - Manipuláveis: Os manipuláveis são as manifestações que tem grande afinidade com o tema em questão, e que demonstram baixa tolerância com a diferença. Costumam propagar discursos prontos e jargões dos extremistas. As opiniões deles se baseiam exatamente no que o grupo, e os extremistas pregam. Como tem grande afinidade com o tema em questão e pouca tolerância, acabam perdendo o senso crítico individual e a capacidade de diálogo, às vezes se impregnam de conceitos pré determinados. Em relação a posicionamento político: Se forem de direita, costumam falar frases como: "Nunca se viu tanta ordem como na época da Ditadura Militar", se for de esquerda, costumam dizer que "O Capitalismo é um modelo econômico opressor que nos faz lutar hoje para compensar o passivo histórico de movimentos racistas, fascistas, etc.." Estão sempre tramando um discurso de teoria conspiratória, a alguns casos até de sociedades secretas, pois acham que a descoberta deste "novo mundo" seria um remédio para suas utopias.
3 - Os questionadores: É talvez a figura mais rara. Por terem uma alta tolerância com a diferença, e grande afinidade com o tema ou opinião abordada, são acostumados a refletirem conforme indivíduos únicos. Mesmo que corroborem dos mesmos princípios, estão sempre se perguntando o porquê da existência de novos comportamentos, o porquê das outras personas estarem se colocando daquela forma. Podem ser confundidos com os Dialógicos. Costumam não se sentirem confortáveis com a concordância por si só. Não procuram construir consensos, pensar como a massa se propõe. Não vangloriam atitudes. É talvez o papel mais difícil de realizar. Estão sempre colocando as frases de críticas como algo impessoal: "entendo o que quer dizer, mas talvez algumas pessoas não entendam o que você está dizendo, como podemos melhorar..?"
4- Os Dialógicos: Sua alta tolerância com a diferença vem de sua natureza pacífica. Acha que qualquer movimento que esteja direcionado a paz, pode ser a melhor solução. Por não terem afinidade com a opinião, costumam ser complementares e algumas vezes confundidos com os extremistas, pois sua capacidade de questionar a opinião de forma mais solucionista que os extremistas, incomoda e prejudica sua reputação. É um caldeirão de ideias que podem ser julgadas e metralhadas sem dó. Também podem ser confundidos com os extremistas. Quando encontram cenários de conflito, costumam ser mais determinados na busca pela solução de ganhos mútuos e a paz. Porém podem ser inconformados com as situações que desencadeiam em soluções simplistas. Acham que o passivo histórico deve ser considerado, porém qualquer solução de compensação do passado, só pode provocar mais conflito, o que vai contra a sua natureza pacífica. Não costuma dar soluções pensando em experiências passadas. Considera o mindset de construção mais importante e mais propenso a inserção de soluções inovadoras.
Devemos ressaltar que estes arquétipos disputam espaço em nossa maneira de interagir com outros diariamente. Entendemos que somente com o conhecimento destas personas, podemos criar políticas públicas flexíveis que atendam a massa e construam soluções inovadoras de ganhos mútuos. O ideal, é que utilizemos de mecanismos que desenvolvam a predominância das personas 03 (Questionadora) e 04 (Dialógica), que têm alta tolerância com a diferença, e a identifica.
Costumamos a fazer este tipo de trabalho de identificação de personas e construção de inovação em ambientes de diversidade. Seja em uma empresa para um trabalho de Recursos Humanos, seja no poder público, auxiliando a construção de políticas públicas, seja em territórios de construção com stakeholders.
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